quinta-feira, 16 de junho de 2016

O engolidor de moedas

            Ficou parado aguardando o vômito.
            Os olhos cheios d’água, vermelhos e amarelos ao mesmo tempo.
            Mas vomitar o quê?
            Não havia nada no estômago. Não conseguia comer.
            A barriga estava enorme por conta dos gases e das moedas.
            Moedas mesmo.
            No auge da loucura engoliu algumas centenas delas.
            Sempre quis assaltar um banco, como nos filmes da TV.
            “Todo mundo pro chão!! É só ficar quietinho que ninguém se machuca!! Aê filha da puta, quer pagar de herói? Então toma!!”
            Sem capuz, sem nada, de cara limpa.
            O assalto do ano!
            Mais manchete que Brunos, Nardonis e o caralho a quatro.
            Na verdade sempre quis ser manchete.
            Já tentou vender cocaína uma vez, acabou cheirando tudo e ficou no prejuízo.
            E o pior: nenhum inquérito, nenhuma investigação, nenhuma queixa!!
            Mas ontem não resistiu: enquanto tomava a dose diária de embriagues, sentiu o cheiro característico de bosta e pinga, típico de um viciado que pede esmolas. Antes que qualquer palavra fosse dita, deu um soco bem no meio da fuça do desgraçado. Caíram pedras de crack, um copo plástico cheio de cachaça e as moedas. Muitas moedas.
            “Por que esse demônio pede, implora, enche o saco, com os bolsos cheios?”
            Começou a recolher centavo por centavo enquanto ouvia as reclamações do fedorento.
            Não deu a mínima. E de vez em quando ainda dava uns chutes na barriga do infeliz.
            As moedas estavam sujas, sem brilho algum, com a aparência de terem sido transportadas no cu.
            Engoliu uma por uma.
            A única maneira de se sentir valorizado era tendo realmente valor. Nem que fosse no estômago.
            Pagou a conta em notas, pediu o troco em moedas e logo foi engolindo.
            Passou no caixa vinte quatro horas, sacou o pouco dinheiro que tinha, trocou em moedas e enfiou goela a dentro.
            Não tinha mais nenhum tostão.
            Entrou em desespero.
            Não pelas contas a pagar, nem pelo resto do mês.
            Nada disso importava mais.
            Não tinha mais moedas para engolir.
            Esperou o dia amanhecer, vendeu o carro.
            Engoliu o quanto pôde.
            Vendeu a casa.
            Vendeu o que tinha.
            Roubou a mãe.
            Guardou pra engolir depois.
            Não cabia mais nada em seu bucho rico, mas sempre é bom ter uma reserva, nunca se sabe como será o amanhã.
            Ficou pesado demais, pensou em se exercitar para auxiliar a digestão.
            Andou alguns quarteirões, mas logo se cansou: não dormia desde a noite anterior e estava com o corpo cheio de moedas e as mãos também.
            Eram tantos sacos cheios de moedas que pesavam algumas centenas de quilos, que ele mesmo não sabia como estava aguentando.
            Com o corpo exausto, pensou em descansar.
            Mas descansar onde?
            Não tinha mais casa, nem carro, nem mãe... Ela logo descobriu o roubo e amaldiçoou o filho.
            Saiu sem destino pela principal rua da cidade.
            Cidade pequena, provinciana, onde todos os caminhos levam ao mesmo lugar.
            Sentiu o suor escorrer por entre as nádegas, o que o fez pensar o quão doloroso seria a saída das moedas que engoliu.
            Mas nada disso importava mais.
            Só queria uma sombra, água fresca e um local tranqüilo para degustar aos poucos a grande quantidade de moedas que carregava.
            A brisa começou a ficar mais úmida e fresca e o cheiro de flores logo entupiu seu nariz.
            Estava lá, impávido e colosso: o rio que abastecia a cidade, com sua margem arborizada e calma.
            Tudo o que ele queria: arrastou-se por mais uns metros, aconchegou seus sacos valiosos sob a sombra e prostrou-se para um gole daquela água abençoada.
            Ao longe um pescador observava a cena.
            Tamanho seu desespero em alcançar o rio que acabou por cair na correnteza. Tentou nadar em vão: o peso de seu corpo era enorme, só podia afundar.
            “Mas, e minhas moedas? Minha vida está naqueles sacos!”
            Depois de um breve afogamento, surgiu uma mão que o resgatou da morte.
            Foi arrastado até a beira do rio, sem forças ou reação.
            De repente a brisa, que a princípio trazia em sua dança o aroma sutil das flores, estuprou seu nariz com o mesmo cheiro de bosta e pinga da noite anterior.
            “Não, não pode ser ele!”
            Mas era.
            Viu o rosto ainda marcado pelos socos e pontapés de um bêbado irado.
            Tentou se mexer, mas não conseguiu.
            Alguém ganhou a noite.

                                                   Rafael Freitas


           

           
           
           

            

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