sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Lama

A lama que escorre
Negra e forte
Avassaladora
Consome a todos

Somos lama
Dentro e fora
Peito aberto
Expõe o mal

Lobo 
Em pele
De cordeiro


                               Rafael Freitas


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Tímida carta a Pedro

Essa mania de querer me encontrar em você. Nos traços, no jeito.
Você não tem a minha cor. Não tem o meu olhar.
Por enquanto, um presente, barato, de montar. Um passado que não lembro.
Esquecer é um atalho pra felicidade. Conforto.
Esqueci. Meu conforto agora é com você.
Com você também.
Os meses passam rápido. Não temos tempo a perder. Não tenho muito tempo.
Vamos nos construindo, reconstruindo.
Uma história que poderia ser ruína hoje é um lindo jardim.
Quase em flor. Muitos brotos e a promessa de uma primavera.
Gosto do desafio do amor maior. É exigente, engolidor de sapos.
Engolidor de orgulho, de raiva, de tudo que sobra.
Amor é isso. Seguir em frente sempre, de mãos dadas, sob qualquer tempestade.
Hoje posso dizer, parafraseando o poeta, em outro tempo, não do amor que tive, mas do amor que tenho.
Pedro. A pedra que faltava nessa escada.
Rumo ao desconhecido nos conhecemos.
Que não sejamos tietes da imbecilidade.

                                          Rafael Freitas





sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Lesmas à procura de sombra

As dores de cabeça aumentam a cada dia.
            Aquelas dores alucinantes, alucinógenas, halógenas. Luzes. Imagens distorcidas, deformadas.
            Dor. Dormência.
            Não sentir as mãos é algo assustador.
            Assusta. Dor.
            Os remédios, comprimidos coloridos, muitos miligramas. Sem efeito. Rarefeito.
            Pareciam ser placebo. Maisena e pó de vidro. Drogas da modernidade.
            Moderna. Idade.
            Idade das trevas, noite longa, sonora. Qualquer ruído, por menor que fosse, era orquestra desafinada, sem maestro.
            Levantou-se ainda trêmulo. Sem rumo. Insone, insípido, insosso. Engoliu um gole d’água, dois comprimidos verdes e vomitou.
            As noites cada vez mais curtas. Os dias cada vez mais longos. A vida cada vez mais breve. Os amores cada vez mais efêmeros.
            Efêmeros. Transitórios. Passageiros.
            Ainda lia alguns velhos livros. Mircea, Kundera, outras besteiras.
            Aprendeu a cozinhar bem. Pra ninguém comer.
            Estudou história, filosofia, música. Escreveu textos nunca lidos. Compôs canções nunca ouvidas. Monólogos de mesa de bar.
            Criou forças. Tentou criar dois filhos. Tentou criar coragem.
            Uma vida de tentativas. Criação de expectativas. Nunca criou um cachorro.
            Banho longo. Menos dor. Mais resistente aos remédios.
            Mesmo caminho, mesma trilha, mesmos pombos, mesmos problemas.
            Ainda são sete da manhã. Sem Cristo na janela.
            À espera. Esperança de que a dor não aumente, não volte, desapareça.
            Caso volte, que seja passageira como as coisas que pareciam boas.
            Coisas boas que deixaram seus rastros, como lesmas à procura de sombra.
            Lá vem o sol. O sal.


                                                               Rafael Freitas


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Ventos do outono

A contradição dos fins de tarde
É o horizonte não dizer nada
É não se ver os mesmos olhos
Que há pouco tempo eram só meus

A eterna esperança vaga
Da mudança repentina
De um dia sermos algo
Mesmo sem nunca sermos um

Quero ser em seu horizonte
O fim de tarde amarelo
Silencioso, quente e triste
Uma tristeza leve, infinita

Como os ventos do outono

                                                 Rafael Freitas




quinta-feira, 30 de abril de 2015

A eterna carta a Théo

                Não ando só. Provei da solidão por tempos, senti o frio da casa enorme, dos dias silenciosos, novembros eternos.
                Acendi velas, rezei, pedi. Busquei em mim o que sempre esteve ali e nunca foi notado. Enxerguei a mim mesmo em seus olhos. Olhos vivos, espertos, de vidro. Olhos meus, do oriente, atentos ao enorme castelo, atentos à pequena formiga.
                Amassamos barro juntos, abraçamos um ao outro.
                Devia ter ouvido mais seus olhares, seus sorrisos. Por não ouvir, agora tento corrigir meus erros e o que não tem mais remédio luto para aprender a conviver.
                A vida é esta batalha que vemos e vivemos todos os dias. Eu sei. Você sabe.
                Meu presente e minha obrigação de não desistir moram em você. Moram em nosso amor, moram em nossos olhares, segredos e silêncios.
                Você é generoso, abriga o mundo em seu coração. Agora abriga o irmão não consultado. Sempre prevendo o futuro, a diferença da idade com o passar dos anos, as possibilidades de diversão, do riso vivo.
                Agora e sempre vocês são minha família. Você e seu irmão, que um dia, quem sabe, se acerta e se ajeita ao nosso jeito, à nossa maneira de encarar a vida.
                Já se foi mais um ano. O mundo cresceu. Você cresceu. Nossa família cresceu.
                Meu amor sempre cresce.
                Let’s go. Hey, ho!

                                                          Rafael Freitas



                

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Velho muro

Vamos consertar os erros
Abrir novos bueiros
Pra essa lama escoar

Vamos aparar arestas
Viver sempre em festas
Para a vida melhorar

Vamos deixar ir embora
Já chegou a hora
De saber onde ficar

Vamos procurar a luz
Que a todos vai cegar
O que tanto nos seduz
Ainda pode nos matar

Atrás do velho muro
Rabiscado por poesia
Em um novo mundo
Nasce um belo dia

                                             Rafael Freitas