terça-feira, 15 de outubro de 2013

Não muito tempo

Há tempos não escrevo.
Não tenho tempo, vontade, leitores.
Não lhe dediquei um poema de aniversário.
Nenhuma crônica de fuga.
Nenhuma bula ou manual sobre como conviver comigo.
Há tempos.
Não muito tempo.
Talvez dias, semanas, meses.
Há tempos não a vejo.
Não me lembro mais do seu rosto.
Com esforço, só sorrisos.
Não escrevo desde que foi embora.
Mas, depois deste inverno, resolvi.
Minhas palavras estão tão vazias quanto meu coração.
Frases incompletas como os dias que seguem
Com sol a pino, fogo adornado por fogo
No céu azul do interior.
O que faz um poeta necessário?
A vida não poetiza o mundo.
Mas as palavras são necessárias.
Não para abstrações neste mundo escancarado.
“- Uma água, por favor.”
Deve ser pra isso que servem as palavras.


                                                           Rafael Freitas


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Acordei Poeta

o fel e a cidade
a felicidade
escondida
nasce quadrado
o sol
por entre
a grade da vida

Rafael Freitas


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Vem pro sol

Deixa essa sombra
Vem pro sol comigo
Vem suar, vem cansar
Sem olhar pra cima

Pra cima os olhos doem
Pra cima sobra luz
De cima vem a chama
O prisma, arco-íris

O sol é vida e morte
Seca e prenúncio de amanhecer
É luz incessante, forte
Que a sombra revela na escuridão

Vem pro sol comigo
Sua sombra é zona de conforto
Sua sombra, um descansar eterno
Sua sombra é perder-se sempre

Perder-se de quem está no sol
Perder-se quem é tom maior
Perder-se de quem não é bemol
É perder-se para sempre de mim.

                                                    Rafael Freitas


segunda-feira, 15 de julho de 2013

O tempo das flores

Há tempos não vejo flores na paisagem.
Pode ser que estejam ali, mas não as vejo.
Ontem até olhei a lua. Fina e torta. Bumerangue de sonhos.
Fumei mais um cigarro.
A bebida e a fumaça estão me destruindo.
Não vejo as flores.
Certamente se escondem em meio a todo esse capim.
A ferrugem entra em casa pelo portão. Começa nele e para em meu peito.
Meus instrumentos silenciaram suas cordas.
Voz rouca e pouco ar.
Os ipês nunca deram flores. Não as vi.
Queria sentir seu cheiro. Não sinto.
Ver suas sobrancelhas grossas e seu sorriso de manhã de sol.
Não vejo flores, não sinto cheiros, não sei esperar a estação correta.
Você foi embora com a promessa de voltar.
Eu fiquei em pé à porta. Esperei sob a luz fraca do poste de periferia.
Preferia não saber do bem que sua voz me faz.
Preferia não saber.
O conhecer é caminho sem volta.
Não sei esperar a primavera. As flores sabem sozinhas a hora de desabrochar.
Por me preocupar tanto com as chuvas de verão não vejo a chegada das flores.
Sei que elas existem. Há tempos não as vejo.
Você realmente se foi.
Espero não ver a beleza das flores somente quando todas juntas formarem uma coroa.
Não quero mais lágrimas.
Não quero mais nada.
Quero a chave da primavera pra poder te ver florir em casa, perfumando minhas toalhas velhas e meus lençóis manchados.

Clareia. 

                                                    Rafael Freitas


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Amor sem comparação

Eu quero um amor doce
Do tipo maçã do amor
Que mesmo não sendo fácil
A gente teima em roer

Quero também aquele amor
Cheio de efervescência
Tipo aspirina em água
Numa ressaca de manhã

E aquele amor salgado
Saboroso igual torresmo
Que aguça a nossa sede
E adoça a boca a cerveja

Todo amor pra mim é válido
Mesmo sendo aquele amargo
Misturado com laranja
Vermelho, gelo e Campari


Sem comparação!

                                                    Rafael Freitas

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Quarta carta

             Mochilinha nas costas, uniforme sem manga e a perna rabiscada de caneta.
            Pára na porta, me dá um abraço apertado e segue sozinho seu caminho pelo corredor da escola.
            Eu fico ali parado, coração aos pulos, cheio de orgulho e de vontade de assistir sua entrada na sala.
            Você já vai sozinho onde quer. Está cada vez mais independente, cheio de vida e curiosidade.
            Frases bem elaboradas, impressionantes pensamentos, brinquedos meio exóticos. O punk de cabelo verde é um limpador de vaso sanitário e a saboneteira de plástico um barco, uma nave.
            Como você me faz feliz!
            Eu ando meio cansado. Dor nas costas e nas pernas, cabeça cheia de indecisões, coração aflito nem sei por que.
            Fico preocupado em pensar que posso estar ausente de sua vida. Fico angustiado com a mínima possibilidade de não ganhar um sorriso seu.
            Sinto saudades sempre. Toda hora. Cada segundo.
            A liberdade de pensar e agir é sua. Você nasceu assim, livre. Tem o espírito dos aventureiros e alma de poeta.
            Descobri como o tempo passa ao enfeitar sua silhueta de papel. Você cresceu. Está crescendo.
            O futuro, às vezes, me dá medo. Não quero ver você indo embora, sozinho, mochila nas costas.
            Não quero assistir sua vida sem fazer parte da trama.
            Não quero mais chorar por hoje.
            A vida nos prega peças. O mundo nos ensina a valorizar quem amamos a duras penas.
            Não consigo definir o que sinto quando ouço sua voz, quando sinto seu cheiro, quando me chama de papai. É indefinível, indescritível, indecifrável. Ainda não inventaram títulos para todo esse sentimento que explode em meu coração, minha alma.
            Espero estar sempre pronto. Se não estiver, improviso.
            O mundo não pára. Despedidas e reencontros sempre haverão.
            Você sempre vai morar em meus pensamentos.
            Sigamos de mãos dadas, meu filho, minha paz.
            Hey! Ho! Let’s go!

                                                                                        Rafael Freitas


quinta-feira, 16 de maio de 2013

O que acaba no domingo


A solidão fria dos trens lotados
O pensamento amargo
Nas gulags municipais
O susto cego das noites frias
E a certeza de ser feliz
Três noites por semana
Doze dias por mês, poucas horas
Para uma vida inteira
Que acaba no domingo.

Não quero mais ser este
Este só, somente
Quero soma, adição
Nem calor, nem frio
Olhos vidrados na escuridão
Memórias vagas
Que não lembram rostos
Só sentem cheiros
Lembram sorrisos.

Não quero mais ser este
Este só, semente
Vida nova brota e flore
Por mais que os olhos chorem
São nascentes para os sonhos
Quer acabam às despedidas.

                                                Rafael Freitas

terça-feira, 9 de abril de 2013

Nós nos afetamos

Temos a paz entre nós dois
O mundo lá fora não nos quer
O mundo lá fora não se quer
O mundo não se merece
Nós merecemos um ao outro.

Temos a prece em nossas mãos
Os sacerdotes não querem tocá-las
As novenas não querem citá-las
Os santos não se conhecem
Como nós nos conhecemos.

Temos o fogo em nossas almas
Somos invejados por quem não se ama
Por manter no peito a mais bela chama
O fogo fátuo não nos afeta
Somente nós nos afetamos.

                                                           Rafael Freitas

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Nós

Entre velas e defumações
Entre pontos e canções
Entre pedidos e orações
Entre eu e as multidões
Fechei os olhos e vi você

Por entre cravos e camélias
Em meio a lírios e bromélias
Cheirando rosas amarelas
Pisando todas as flores belas
Sem esperar, você em mim

Não foi escolha, nem devoção
Não foi esquema, programação
Não foi um dia vivido em vão
Foi algo além da compreensão
Você em mim, eu em você

Agora conto cada segundo
Você aqui, eu no seu mundo
Sozinho sou um moribundo
Que sempre soube bem lá no fundo
Que era mesmo pra ser assim

                                             Rafael Freitas

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Nada além

Quem será por mim
A não ser eu?
Quem será que se esconde
A não ser eu em mim mesmo?
Por trás dessas paredes
Verdes de lodo, amargas de fel
Quem habita no escuro?
Quem desenha esses sonhos?
Quem destrói essas nuvens?
Faz nevar no dia claro de primavera?
Quem habita esse mundo estranho,
Essa rua morta, essa curva seca,
Esse mato alto, esse céu revolto,
Esse bar lotado, capela vazia,
Cabeça de porco, cheirando lavagem?
Quem será essa sombra que persegue
Que corre atrás da luz
E desencontra o dia e não enxerga a lua?
Que não enxerga
Não vê
Nada além do próprio umbigo.

                                             Rafael Freitas

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Habitual

Não sei onde me encaixo
Na orgia desse carnaval
Na arrogância chique de um sarau
Na noite cinza em pleno pré-natal

Não sei como me movo
No dia-a-dia desse lamaçal
No álcool seco e forte do canavial
No tropeçar noturno, bêbado habitual

Não há como atravessar esse mar de ilusões
Não há como atravessar esse mar
Não há como atravessar
Não há como
Não há

                                                                 Rafael Freitas