terça-feira, 31 de julho de 2012

Sobre o fim e outras coisas


Sua presença indesejada em meu corpo
Desde o nascimento até agora
Sua sombra na penumbra do meu quarto
Nas noites tristes de insônia
Sua cor estampada em meus olhos
E na voz triste do meu pai
Sua felicidade no motorista imprudente
Seu prazer em minhas esbórnias relutantes
Sem sentido, em busca de não sei
Seu tesão nessa tosse incessante, ansiosa
Em meus maços de cigarro já vazios
Em meus copos de whisky pelo meio
Em minha falta de respeito pela lei

Em meu temor idiota pelo nada.
Ser um nada, sem um nada, ver a nada.

Dessa vez pode não ter jeito
Nem ser fácil como meu dia natal
Pode ser que sua espreita gere frutos
E que sacie sua fome afinal
E minha história não será como eu queria
Não verei os lindos olhos mais maduros
Espero ao menos ser saudade em algum peito
Como fui plano em várias vidas e futuros.

O fim nem sempre é triste:
Pode ser a apoteose do espetáculo.

                                                          Rafael Freitas

terça-feira, 17 de julho de 2012

Anos sóbrios


Então me diz agora
O que fez nesses anos sóbrios?
Nesses cinquenta gloriosos?
Qual o legado que deixou?
Olhe nos meus olhos
Você já tem as respostas?
Pelo menos sabe as perguntas?
Ao menos sabe a que veio?
Sem gagueira ou vacilo
Foi feliz por quantas horas?
Fez o que quis em quantos dias?
Amou alguém alguma noite?
Não mude o assunto
O que você fez durante esse tempo?
Entregou-se por vontade?
Por obrigação? Por superioridade?
Por que não responde?
Por que se nega?
Por que insulta?
Por que tanto escudo e armadura?
Por que esse campo minado?
A culpa não é de ninguém.
A guerra acabou.
Voltemos às ruas assistir à partida dos tanques.
Sintamos no peito o silenciar das bombas.
Fomos apenas peças no xadrez dos grandes.
Fomos apenas cifras no mercado externo.
Nada como a chuva para acalmar o coração.

                                                    Rafael Freitas


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Seu olhar


Seu olhar me entristece
Sinto em meus ossos moles
O frio dessas pupilas claras
O vento forte dessa alma vaga
O medo desse seu sorriso vão
Sua voz doce me amargura
Sinto em meu peito oco
O vibrar de toda essa sonoridade
O estilhaçar de sua tempestade
O esvaziar tranquilo de seus pulmões
Sua presença me incomoda
Sinto nesse meu pequeno mundo
Seu corpo grande me reduzindo o espaço
Seu respirar de verdadeiro inchaço
Sua aura negra sempre em expansão
Suas asas me encobrem o sol
Sinto mofar a minha pele seca
Por esse clima denso de floresta
Por na tristeza sempre querer festa
Por eu querer que vá embora ou não!

                                                          Rafael Freitas



terça-feira, 3 de julho de 2012

Mesmo sem querer

Você podia enxergar seus erros
Seus deslizes, seus desvios
Seu egoísmo ignorante
Seus vícios que destroem.
Enxergar sua sina em ser sozinho
Sua mania de limpeza, de esperteza
Suas falhas de caráter, de conduta
Sua paixão por pinga, pó e puta.
Olhar no espelho e ver nos olhos
A vermelhidão da insônia
A barba que lhe soma mais idade
O cigarro amarelo nos seus dentes
O seu ar superior de crueldade.
Ver sua alma esgoelante refletida
Na água da privada em que vomita
E entender que o mundo espera de você
A diferença taciturna dos pedestres
Especial em ser comum é o que deve.
Sim, você devia entender os outros
Colocar-se no lugar alheio
Sentir a dor que provoca prantos
Esperneio e choro baixo pelos cantos.
Você podia se enxergar em mim
Não me deixar o esperando horas
Não desligar seu telefone à noite
Ver-se em meu corpo ao despertar da aurora.
Você devia olhar bem no fundo
E enxergar o que seu peito sente
Ver se me encaixa em seus planos sujos
É o que quero mesmo sem querer.

                                                             Rafael Freitas