quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sonho Bom


De tanto sonhar acordado, seus olhos ressecaram.
Ardiam e apresentavam a vermelhidão tóxica das noites mal dormidas e dos amores acabados.
Sentia dor mas não se movia.
Não sabia se o sonho tinha terminado ou se os finais felizes sempre carregam consigo a dor.
Já não enxergava o que tanto olhou, não distinguia cores e tons e luz.
Somente a seca.
Como o leito dos rios sem chuva que racham com o sol de dezembro.
Como a pele exposta ao frio das manhãs de um árido outono.
Nenhuma lágrima.
Não conseguia chorar em meio ao sonho sem sono diário.
Já não lembrava o que o fez sonhar, mas sabia que era bom.
Melhor que o despertar vazio das manhãs de segunda-feira.
Melhor que o descansar das madrugadas alucinógenas dos feriados.
Sentia o cheiro das flores que não sabia se existiam de fato.
Depois de um bom tempo a dor já não incomodava.
Como a toalha molhada sobre a cama após anos de casamento.
Como o mastigar à mostra do sobrinho obrigatório.
Conseguiu com muito esforço movimentar os dedos das mãos e dos pés.
Levantou-se vagarosamente e sentiu a brisa em seus cabelos.
O sonho tinha sido realidade por alguns segundos.
Agora tudo estava acabado.
As lágrimas vieram com força, como se rompessem o pâncreas, o fígado, os pulmões, até estourarem na face em prantos convulsivos.
Realmente era o fim.
A seca acabou.

                                                                           Rafael Freitas

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Referências


Se alguém quer matar-me de amor
Que seja na última flor do Lácio
De todas, a inculta e bela
Que fala mais por mim
Do que eu consigo falar por ela

Quer então me matar de amor?
Não jogue as cartas na rua
Peça você sua dose
Faça o melhor dos proveitos
Não tenha no peito overdose

Alguém ainda quer me matar?
Com certeza não mais de amor
Vele minhas madrugadas
Espere-me de portas abertas
Para me curar das noitadas

Quer então matar seu amor?
Não ouça conselhos meus
Faça o que eu disse ao contrário
Corra atrás da sua vida
Eis pra você o otário!

Agora sentindo seu morto amor
Não espere telefonemas
Muito menos minha voz carregada
Devolva o meu livro velho
Eu ainda vou pra Pasárgada!

                                                           Rafael Freitas





sexta-feira, 11 de maio de 2012

Cartolagem


Gol!
De virada é mais gostoso!
Nossa! Esse time é demais!
Isso era o que se ouvia naqueles dias turvos.
Paulista, Brasileiro, Libertadores, Mundial, a puta que o pariu!
Fogos, estampidos.
Em seu disfarce, em meio a tanta idiotice, não se ouviam os tiros.
Derrubou uma a uma.
Rasgava os uniformes, beijava os brasões e contorcia-se em êxtase profundo.
Ninguém viu, ouviu. Só sentiram falta.
Briga de torcida – pensaram.
Proibiram as “organizadas” de assistirem aos jogos.
Foi para segunda divisão, lá a fiscalização era menor.
Pena que os fogos também.
Optou pelo estrangulamento.
As líderes de torcida eram mais feias, mas isso não importava.
Vagabundas. Marias chuteira.
Beijou brasões e brasões sem nunca ter torcido por time algum.
Nem tinha motivos para isso.
Em sua vida imbecil nunca foi fiel, nem independente. Assemelhava-se mais aos urubus e aos porcos.
Chafurdava aqueles corpos frios como lavagem, mordia-lhes as orelhas como se dilacera a podridão.
Tudo sem pagar entrada.
Sabia verdadeiramente o que era cartolagem.

                                                                                                   Rafael Freitas

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Quarta en cinza

Subtrai-te en tus momentos mas funébres
O menímo pó de brilho que puderes
E num serás tu em tu festa de coveiros
Ladeado por coroas de defuntos
Syn será una alma per intero
Torvalhado pelas luzes des djuntos.

                                                                 Rafael Freitas

* vide TORVAL e ADJUNTO