sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O dono do céu

Acordei assustado.
Ao lado uma poça de vômito enfeitava meu travesseiro.
Preciso parar de beber.
Não me lembro muita coisa da noite anterior. Na verdade, das últimas semanas.
Sei que fui traído e não consigo perdoar.
O perdão não faz parte desse vocabulário curto que conheço.
Sou uma reprodução do que aprendi a ser.
Desde o útero a traição já faz parte da minha vida e a falta de perdão também.
Não sei se fui esperado. Acho que não.
Fui arrancado antes do tempo das entranhas hospedeiras. Fui afogado em mágoa e líquido.
Acabei, sem motivos aparentes, sobrevivendo.
Fizeram tantas promessas em meu nome que até hoje não consigo viver em paz.
Apanhei pra poder chorar. Recém e bastante tempo pós-nascido.
De novo sobrevivi.
Fui traído por minhas ilusões de criança que acreditava que aquilo era o melhor pra mim.
Não era.
Não existe o melhor.
Existe o possível.
Não tinha outra escolha.
E a traição permanente ainda assombra. Um Édipo que habita a escuridão de cada um.
Não sou visto com bons olhos.
Já pensei até em matar.
Mas o corpo só não basta.
Minha vingança será maior.
Vou destruir a essência. Assassinar almas.
Preciso de terno, bíblia e púlpito.
Já rezei muito em vão. Agora minhas orações terão motivo.
Dinheiro, fama e adoração.
Adoração a mim.
Façam suas oferendas ou de vocês será o fogo eterno!
E não se esqueçam de perdoar, amar, vigiar...
Sou o dono do céu.

                                                                             Rafael Freitas

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O que sobrou do amor

Eu só podia olhar pra cima.
Os olhos cheios de sangue e lágrimas e pó também.
O que sobrou do amor.
Seu pé em minha garganta e as gotículas de saliva que voavam de seu vocabulário imundo direto pro meu rosto.
Depois de me surrar, humilhar, cuspir e escarrar, me deixa uma carta de amor.
De novo amor.
“Sua insensibilidade lhe causou isso tudo. Seu sangue e sua dor nem se comparam com o que passo todos os dias ao pensar em você”.
Eu só fiquei em casa.
Você ao portão, ao telefone, à espera.
À espera, à espreita, às escuras!
Eu? Em casa.
Certamente não correspondi.
Nunca soube o que queria e não sei o que quer.
Ama e odeia com a facilidade de quem tira os óculos pra não ver o indesejado.
Depois que o sangue parar de jorrar e meus olhos voltarem a ver, espero que não reapareça.
Cartas de amor não são analgésicos.
A dor física é latente.
Não espere que eu sofra por amor.
Ainda me sobram dores.

                                                                               Rafael Freitas