segunda-feira, 25 de julho de 2011

A palavra muda

Vantuiluriel.
Nunca entendera porque sua mãe lhe dera esse nome tão incomum. Não, pensando melhor, esse era um nome bizarro. Por que não se chamava João, Carlos ou Ernesto como todos os outros ao invés de Vantuiluriel? Sempre fora motivo de piadas por isso. Aliás, os óculos grotescos que usava também não ajudavam muito.
Com o passar dos anos acabou se entrincheirando dentro de si. Não queria que rissem dele, por isso nunca falava ou olhava para os outros. Andava cabisbaixo, sempre, como que procurando algo há muito perdido. Não pronunciava palavra e ninguém conhecia o som da sua voz. A verdade é que a vida tornava-se menos encantadora a cada minuto e não importava o quão feliz devesse estar, simplesmente não conseguia. Queria viver uma vida breve e sem sofrimento, assim como as borboletas. Simplesmente ser!
Vantuiluriel não tinha má aparência, mas seu semblante triste encobria sua beleza. Seus olhos negros, dotados de uma melancolia extrema, e seus ombros encurvados pelo peso da amargura tiravam-lhe o encanto juvenil.
No começo todos se sentiam desafiados por aquele simples garoto. Por que tanta infelicidade? E com o decorrer do tempo, quando Vantuiluriel passava, as pessoas sentiam apenas um leve sopro de ar. Já não o notavam. Morrera, enfim.
Mas se deu que um dia Vantuiluriel teve uma visão divina. Algo que o fez esquecer seus problemas e desejar viver séculos.
Sofia.
Seus pés foram a única coisa capaz de fazer aqueles melancólicos olhos negros erguerem-se pela primeira vez em doze anos. Aquela era a visão mais doce que já tivera ou imaginara poder ter. Os olhos de Sofia faiscavam e a paz emanava de seu sorriso. Vantuiluriel foi tomado por um sentimento novo, o qual não podia explicar e que nunca havia sentido. Amor!
Passou anos a observá-la, notando cada mínimo detalhe: o modo como ela enrolava uma mecha de cabelo quando estava distraída, sua preferência por sorvete de morango com chantilly, seu olhar absorto quando lia. Foram anos alimentando-se daquela visão, sonhando... Seu peito sufocava e por mais que quisesse se prevenir não pôde evitar o único desfecho para aquela situação. Seu coração clamava descompassadamente por revelação. Correria o risco e falaria a Sofia que a amava.
Encontrou-a sozinha numa mesa da biblioteca. Sofia adorava livros. Fora lá que a vira pela primeira vez há cinco anos. Sentou-se frente a ela e a fitou. Por segundos, Sofia correspondeu-lhe o olhar e depois o voltou para o livro que lia. Romeu e Julieta.
Vantuiluriel diria as palavras que o atormentavam. Para os outros sempre falta uma palavra, mas para ele não faltaria nenhuma. Sempre fora diferente. Sentiu as letras juntarem-se em sua cabeça, passarem por seu coração e se dirigirem para a garganta.
Era agora, iria dizê-las. De repente ele engasgou-se. Sofia e os outros ao redor se assustaram.
Correria.
Vantuiluriel ficou roxo e o ar extinguiu-se em seus pulmões. O coração, que antes batia por Sofia, parou. Morreu. E sem dizer palavra. Se para todos falta uma palavra para ele não foi diferente. “Ah, Sofia! Como eu...” Foi a primeira vez em seus vinte e dois anos de existência que se sentiu igual aos outros e uma felicidade incomum preencheu o seu ser. Finalmente era igual, mesmo se chamando Vantuiluriel e não Carlos, João, Ernesto, César...

Danieli Elias



segunda-feira, 4 de julho de 2011

São Paulo não tem mar

Paulistano não tem mar.
Tem bares cheios de bêbados, drogados e prostitutas,
Calçadas fedendo mijo e esgoto a céu aberto.
Mercados que cheiram podre,
Feiras que exalam peixe.
Museus que abrigam elites,
Semáforos com carros blindados.
Avenidas que recebem paradas
De gays, vadias e maconheiros
E também acoitam bad boys de classe alta
Cães preconceituosos
Que no fundo são aquilo que odeiam.
Ruas de trânsito intenso
Casa de desabrigados, bandidos e policiais.
Tem o marco zero do estado
Cercado de pastores e enganadores profissionais,
Travestis e nordestinas sem sorte
Que vendem um corpo vazio, objeto.
Promessas de emprego na 7 de abril
Pra venda de filtros e planos dentários.
Passarelas cheias de merda,
Litros de pinga num sol de rachar
Boates de gente bonita
Em que o pobre é sempre garçom.
Ônibus e trens lotados
Onde se inala suor e peidos horríveis.
Tem rua de instrumentos musicais,
Mas também tem a rua do crack,
Dos viados, das putas e dos imbecis.
Vista grossa das autoridades
E denúncias vazias de uma cidade em alerta.
Piada de mau gosto
Dar-se bem na capital.
Com tudo isso, se chove

O caos

Tsunami.

São Paulo não tem mar.
Graças a deuS.

                                                                    Rafael Freitas