Sua cama parecia uma película fina, que a qualquer momento estouraria lavando o chão com qualquer coisa parecida com fluidos. Não se movia. Qualquer movimento seria fatal.
Ficou assim por horas, até ouvir passos no corredor.
A porta se abre:
- Acorde! Vamos! Levante e vá embora!
Silêncio.
A voz continua:
- Sei que não dorme e nem dormiu a noite toda. Levante-se e vá embora!
Sem voltar o rosto:
- Embora pra onde? Por quê?
- Os motivos você conhece bem.
Sem entender o que se passava, pensa, respira fundo e pergunta novamente:
- Por quê? O que aconteceu? O que lhe disseram?
- Você sabe muito bem.
- Sei o quê?
- O que aconteceu. Sempre lhe avisei para tomar cuidado com as pessoas.
- Mas o que disseram?
- O que eu mais temia ouvir. Não esperava isso de você.
- Se não esperava foi porque não fiz.
- Tenho provas.
- Quais?
- Fotos, depoimentos e endereços. Não há como negar.
- Nem sei o que há, o que vou negar?
- Você não é homem. Por que não fala a verdade?
- Não existem verdades.
- Lá vem você de novo com filosofia. Chega de ser infantil. Quem tem ofício e responsabilidade não tem tempo de filosofar.
- Nem de existir.
- Falou o existencialista!!!
O silêncio voltou. Dessa vez mais pesado e denso. A tensão aumentou. Novamente a voz:
- Vamos! Chega de conversa. Vá embora daqui!
O sujeito levantou-se devagar. Não queria que a película se rompesse.
Pegou uma mochila desbotada embaixo da cama e começou a muni-la de roupas.
- Você não tem nada pra levar. Tudo aqui é meu! – e num grito enraivecido – Vá embora! Desgraçado! Destruidor de famílias!
- Não quero mais discussão. Vou.
- Vai pra onde, seu idiota?
- Pra casa de amigos. E, afinal, isso não lhe interessa mais.
- Amigos? Ainda acha que tem amigos?
- Sempre os tive, você sabe.
- Seus conhecidos foram seus delatores.
- Você quer que eu os odeie. Sempre quis.
Joga as fotos na cama. Realmente foram eles.
- Não me é um choque. Sempre tive o pé atrás com esses porcos.
- Então, pra onde vai agora? Ninguém lhe dá a mínima. – com desprezo – Idiota...
- Vou pra casa de desconhecidos. Alguém terá piedade.
Silêncio ensurdecedor.
A voz começa a gargalhar como em filmes de terror. Pára. Olha pro sujeito e diz entre dentes:
- Pode ficar.
- Você é um louco.
- Pode ficar. Volte a dormir.
- Por que isso?
Pausa.
- Nunca o conheci de fato.
Rafael Freitas