quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O HUMANO NÃO É CIÊNCIA EXATA

Conversávamos no chuveiro
Promessas de infidelidades fiéis
Noturnos
Ali
Sentados
Drogados
Chapados
No chão
Tudo diversão
Ela molhada
Arrazoava
Víamos como somos
Aceitávamos
Falávamos
Beijávamos
Batizávamos
Imaginávamos
Comendo outras
Vice e versa
Amores devassos
Paixões suadas
Éramos a goiabada e o queijo
Únicos permitindo plurais
Relações sexuais
Ela
Minha musa
Eu
Muito prazer
Gargalhávamos
Amávamos
Desejávamos
Assim
Primitivos
Mutantes
Individuais
Infinitos
Ajuizávamos filantrópicos
Éramos
Lascivos
Intensos
Essenciais
Luminosos
Mundanos
Profanos
Apaixonamos
Sem fim...
O fundo amor
Perfeitos um pro outro
Sim
Casamos nos enxergando verdadeiros
Delirantes bel-prazeres
Em fim
O tempo passa
Pobre de nós
Acreditamos
Inocentes
Palavras perdidas no etéreo
Versos o vento leva
Frases
Meu amor, eu te adoro.
Você é o grande amor da minha vida
!!!Mentira!!!
O eterno grande amor mentira
Chico é o cara
HOJE
Brigamos por nem sei
Eu sei
Sei bem
A vida é um vai-e-vem
Juramentos não existem
Na verdade mentimos
Demandamos aleivosia
Não as sinceras de Cazuza
Mentiras macabras
Medonhas
Não regamos
Podamos
Queremos tosar o outro
Não ria pra ela
Não toque nela
Não olhe pra ela
Não fale com ela
Negação
Relacionamentos baseados em moralismos gaiatos
Não queremos a felicidade do outro
Nem a nossa
Achamo-nos donos do livre arbítrio
Alheio
Não!
Sou diverso
Sinto-me iluminado
Consigo ser diferente
Persisto encontrar felicidade
Onde fica o livre-arbítrio
Liberdade de ser e de estar
Amar é aceitar o outro como é
É ver
Vejo
Minha mulher dançando
Flertando
Gargalhando
Com outros
São os jogos do amor
A vida
Penso contemplando a companheira
Amo-a do jeito que nem sei quem ela é
Não a quero exata
Não me quero exato
Jamais

Mais
Um somado a um...
...Nunca foi igual a dois
O humano não é ciência exata

                                                                         Pablo Treuffar


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O céu de Clara

Calmamente, Clara contempla o céu.

Hoje a lua está cheia e as estrelas parecem ofuscar a visão de tanta luz que irradiam.

Firmamento: minúscula parte do infinito que podemos apreciar de nossa prisão perpétua chamada Terra.

E Clara olha, olha...como se não existisse mais nada a seu redor. Como se os jornais não noticiassem tanta desgraça, como se não existissem tantos problemas em um mundo tão pequeno...enfim, como se o ser humano fosse algo inquebrantável, com uma armadura inviolável e como se não existissem barreiras intransponíveis e a vida fosse acessível a todos, até mesmo aos que não a valorizam.

Todos os dias Clara repete o mesmo ritual: escova os dentes após o jantar, despede-se de todos, abre a janela e fica ali...admirada com tanta beleza, beleza que acaba passando despercebida pelos espectadores das novelas da noite.

Seus pais já a levaram ao psicólogo. Os colegas da escola se afastaram. Todos achavam anormal uma pessoa tão jovem se isolar do mundo para olhar o céu.

Mas, mesmo assim, Clara passava o dia inteiro esperando aquele momento único. O céu não era o mesmo todos os dias, e ela, depois de examiná-lo em detalhes, também não.

Não entendia como a humanidade podia ser tão egoísta e desumana com um infinito de beleza e paz logo ali, sobre suas cabeças.

E Clara, calmamente, contempla o céu.

Mas o céu parece estar menor a cada dia, e as estrelas parecem estar diminuindo em quantidade.

O tempo vai se passando, e a menina começa a ver as estrelas com menos luz e a lua, sem um porquê aparente, foi perdendo o foco...

Clara desesperou-se. De uns tempos pra cá, o único momento em que não se sentia só era quando admirava o infinito, pois estava acompanhada, e muito bem acompanhada, por constelações inteiras, signos, lua, planetas, pensamentos e Deus. Naqueles instantes ela sabia que Ele estava ali a seu lado, amparando e dividindo, somando e distribuindo amor.

Como viveria se não pudesse mais presenciar tudo aquilo?

Mas, cada vez mais, Clara perdia a visão.

Ninguém sabia porquê.

O mundo de Clara foi perdendo o brilho e a cor e, infelizmente, de forma irreversível.

Escuridão. Solidão eterna e permanente.

Era impossível aceitar.

Justo Clara, a menina que acreditava num mundo melhor e que sabia que tudo seria possível se, ao invés de olhar para baixo, as pessoas olhassem para o céu e pudessem perceber o quanto somos insignificantes diante de um processo tão complexo chamado galáxia.

Pena o ser humano não ser inquebrantável e Clara não ter a armadura inviolável que sempre idealizou para todos. Esqueceu de si mesma por pensar demais em causas que uma criança não poderia mudar e, mesmo se gritasse aos quatro cantos a fórmula exata da felicidade, ninguém daria ouvidos.

Os dias foram passando rápido, Clara aproveitava cada segundo como se fosse o último. Mas, assim como o dia termina, a escuridão chegou aos seus olhos.

A menina que calmamente contemplava o céu, perdeu a luz.

Nem médicos, nem seus pais, nem orações, nem ninguém conseguiu um remédio, uma solução.

E Deus?

Não era Ele quem sempre amparava a menina que tanto admirava Suas obras?

Deus não quis reverter a situação.

Enquanto o mundo desabava ao seu redor em busca de soluções e curas milagrosas, Clara esqueceu-se da escuridão, olhou dentro de si mesma e, como que por um milagre, pôde ver todo firmamento novamente.

Era lindo! Tudo simetricamente em seu lugar. Estrelas, planetas, lua, constelações e pensamentos.

Clara descobriu que o infinito que ela tanto amava estava ali, dentro dela mesma. Ela era o infinito.

Todos os planetas e constelações eram formados pelos mesmos elementos que formaram Clara; afinal, vieram todos da mesma explosão.

E, contrariando a todas expectativas, a vida da menina que olhava estrelas não mudou...

Todos os dias Clara repete o mesmo ritual: escova os dentes após o jantar, despede-se de todos e fica admirando o céu. Só que agora é diferente...

Ela não precisa mais abrir a janela.

                                                                                                Rafael Freitas