domingo, 26 de dezembro de 2010

Uma verdade sobre o Natal

Iam pai e filho, olhando vitrines e admirando os produtos.

- E aí, já escreveu a carta pro Papai Noel?

- Ainda não. Não tenho certeza se ele existe mesmo.

- Claro que existe, olha um lá bem na esquina.

- Com esse calor o cara fica usando essa roupa estranha.

- É que ele vem do pólo norte, lá é frio.

- Se ele dá presente pra todo mundo, por que não compra uma roupa nova? Aqui faz muito calor.

- Você tem razão. Mas e a carta?

- Não sei o que eu quero esse ano. Talvez uma bola de futebol ou uma bicicleta.

- Bola eu acho mais legal.

- Mais legal ou mais barata?

- Em conta também. O coitado do Papai Noel tem muitas crianças pra presentear e pode faltar dinheiro.

- Ninguém mandou ele inventar essa história de Natal.

- Não foi ele quem inventou o Natal. Dia 25 de dezembro é o nascimento de Jesus.

- E o pai de Jesus é o Papai Noel?

- Não, é José.

- Então de onde apareceu esse cara?

- Do pólo norte.

- E quem dá dinheiro pra ele comprar presentes?

- Não sei não... Você faz muitas perguntas sem resposta.

- Vamos lá que eu vou pedir meu presente.

- Ho ho ho...

- Papai Noel, eu quero uma bola de futebol de presente de Natal.

- Mas você foi um bom menino?

- Acho que sim.

Continuaram os dois caminhando em silêncio.

O Papai Noel desapareceu em segundos.

O pai não queria acabar com os sonhos do menino.

- Pai, aquele Papai Noel tinha uma cara de coitadinho. Resolvi pedir a bola de futebol mesmo.

- Acho que nosso Natal acabou.

- ?????

- O Papai Noel acabou de roubar minha carteira.

                                                                                       Rafael Freitas



Feliz Natal a todos...hohoho!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Carta a Théo

Eu estava numa tremenda ressaca quando aconteceu.
Foi um susto, tanto pra mim quanto para a mais nova melhor mãe do mundo.
E aí você veio ao mundo poucas horas depois do último ultra-som.
Eu levei câmera de vídeo, pus uma roupa horrível e fiquei ali fingindo que estava bem.
Barriga aberta é mesmo algo muito feio. Lembrei de bacon e carne de porco.
Boca seca, mais pelo momento que pela bebida da noite anterior.
Deve ser difícil pra você ter um pai que adora a noite e os botecos.
Quando ouvi o primeiro choro, senti uma vontade imensa de chorar também, mas sabe como é, o pai sempre tem que ser herói.
Sua mãe não agüentou e derramou algumas lágrimas.
O primeiro bebê sem cara de joelho do mundo é meu filho. Lindo.
Nasceu inchadinho, parecia até que era filho de japonês. Com todo respeito à sua mãe.
Depois dos médicos, eu fui o primeiro a pegar você no colo e dizer seu nome bem baixinho ao pé do ouvido: “Seu nome é Théo, foi o papai que escolheu.”
Fiquei olhando pra você um tempão e confesso que me incomodou muito ver você perdido nesse mundo enorme.
E o tempo passa rapidinho né. Já faz um ano e sete meses.
Você já usou roupinha do Palmeiras, camiseta e sandália do Backyardigans, comeu papá e levou uns tombos.
Nadou na piscina do termas e do Amir, ouviu Ramones e Beatles, uns trechos do Nietszche, foi ao zoológico e andou de bicicleta.
Tem um All Star vermelho igual ao meu.
Sem dúvida é a melhor coisa da minha vida.
Sempre será.
Por isso trago seu nome tatuado em meu braço e seu rosto no coração.
Assim como esses 19 meses passaram sem que nós pudéssemos perceber, daqui a pouco você vai prestar vestibular, escolher uma profissão e seguir seu rumo.
Eu, que hoje talvez seja pra você um cara moderno e atual, vou ser ultrapassado e obsoleto.
Queria ser um humano melhor pra você sempre ter orgulho do seu pai.
Você tem nome de mecenas, de artista e de personagem mitológico.
Amo você pra sempre. Filho maravilhoso.
A cara do pai.
Claro que muito melhor.

                                                                                       Rafael Freitas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O HUMANO NÃO É CIÊNCIA EXATA

Conversávamos no chuveiro
Promessas de infidelidades fiéis
Noturnos
Ali
Sentados
Drogados
Chapados
No chão
Tudo diversão
Ela molhada
Arrazoava
Víamos como somos
Aceitávamos
Falávamos
Beijávamos
Batizávamos
Imaginávamos
Comendo outras
Vice e versa
Amores devassos
Paixões suadas
Éramos a goiabada e o queijo
Únicos permitindo plurais
Relações sexuais
Ela
Minha musa
Eu
Muito prazer
Gargalhávamos
Amávamos
Desejávamos
Assim
Primitivos
Mutantes
Individuais
Infinitos
Ajuizávamos filantrópicos
Éramos
Lascivos
Intensos
Essenciais
Luminosos
Mundanos
Profanos
Apaixonamos
Sem fim...
O fundo amor
Perfeitos um pro outro
Sim
Casamos nos enxergando verdadeiros
Delirantes bel-prazeres
Em fim
O tempo passa
Pobre de nós
Acreditamos
Inocentes
Palavras perdidas no etéreo
Versos o vento leva
Frases
Meu amor, eu te adoro.
Você é o grande amor da minha vida
!!!Mentira!!!
O eterno grande amor mentira
Chico é o cara
HOJE
Brigamos por nem sei
Eu sei
Sei bem
A vida é um vai-e-vem
Juramentos não existem
Na verdade mentimos
Demandamos aleivosia
Não as sinceras de Cazuza
Mentiras macabras
Medonhas
Não regamos
Podamos
Queremos tosar o outro
Não ria pra ela
Não toque nela
Não olhe pra ela
Não fale com ela
Negação
Relacionamentos baseados em moralismos gaiatos
Não queremos a felicidade do outro
Nem a nossa
Achamo-nos donos do livre arbítrio
Alheio
Não!
Sou diverso
Sinto-me iluminado
Consigo ser diferente
Persisto encontrar felicidade
Onde fica o livre-arbítrio
Liberdade de ser e de estar
Amar é aceitar o outro como é
É ver
Vejo
Minha mulher dançando
Flertando
Gargalhando
Com outros
São os jogos do amor
A vida
Penso contemplando a companheira
Amo-a do jeito que nem sei quem ela é
Não a quero exata
Não me quero exato
Jamais

Mais
Um somado a um...
...Nunca foi igual a dois
O humano não é ciência exata

                                                                         Pablo Treuffar


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O céu de Clara

Calmamente, Clara contempla o céu.

Hoje a lua está cheia e as estrelas parecem ofuscar a visão de tanta luz que irradiam.

Firmamento: minúscula parte do infinito que podemos apreciar de nossa prisão perpétua chamada Terra.

E Clara olha, olha...como se não existisse mais nada a seu redor. Como se os jornais não noticiassem tanta desgraça, como se não existissem tantos problemas em um mundo tão pequeno...enfim, como se o ser humano fosse algo inquebrantável, com uma armadura inviolável e como se não existissem barreiras intransponíveis e a vida fosse acessível a todos, até mesmo aos que não a valorizam.

Todos os dias Clara repete o mesmo ritual: escova os dentes após o jantar, despede-se de todos, abre a janela e fica ali...admirada com tanta beleza, beleza que acaba passando despercebida pelos espectadores das novelas da noite.

Seus pais já a levaram ao psicólogo. Os colegas da escola se afastaram. Todos achavam anormal uma pessoa tão jovem se isolar do mundo para olhar o céu.

Mas, mesmo assim, Clara passava o dia inteiro esperando aquele momento único. O céu não era o mesmo todos os dias, e ela, depois de examiná-lo em detalhes, também não.

Não entendia como a humanidade podia ser tão egoísta e desumana com um infinito de beleza e paz logo ali, sobre suas cabeças.

E Clara, calmamente, contempla o céu.

Mas o céu parece estar menor a cada dia, e as estrelas parecem estar diminuindo em quantidade.

O tempo vai se passando, e a menina começa a ver as estrelas com menos luz e a lua, sem um porquê aparente, foi perdendo o foco...

Clara desesperou-se. De uns tempos pra cá, o único momento em que não se sentia só era quando admirava o infinito, pois estava acompanhada, e muito bem acompanhada, por constelações inteiras, signos, lua, planetas, pensamentos e Deus. Naqueles instantes ela sabia que Ele estava ali a seu lado, amparando e dividindo, somando e distribuindo amor.

Como viveria se não pudesse mais presenciar tudo aquilo?

Mas, cada vez mais, Clara perdia a visão.

Ninguém sabia porquê.

O mundo de Clara foi perdendo o brilho e a cor e, infelizmente, de forma irreversível.

Escuridão. Solidão eterna e permanente.

Era impossível aceitar.

Justo Clara, a menina que acreditava num mundo melhor e que sabia que tudo seria possível se, ao invés de olhar para baixo, as pessoas olhassem para o céu e pudessem perceber o quanto somos insignificantes diante de um processo tão complexo chamado galáxia.

Pena o ser humano não ser inquebrantável e Clara não ter a armadura inviolável que sempre idealizou para todos. Esqueceu de si mesma por pensar demais em causas que uma criança não poderia mudar e, mesmo se gritasse aos quatro cantos a fórmula exata da felicidade, ninguém daria ouvidos.

Os dias foram passando rápido, Clara aproveitava cada segundo como se fosse o último. Mas, assim como o dia termina, a escuridão chegou aos seus olhos.

A menina que calmamente contemplava o céu, perdeu a luz.

Nem médicos, nem seus pais, nem orações, nem ninguém conseguiu um remédio, uma solução.

E Deus?

Não era Ele quem sempre amparava a menina que tanto admirava Suas obras?

Deus não quis reverter a situação.

Enquanto o mundo desabava ao seu redor em busca de soluções e curas milagrosas, Clara esqueceu-se da escuridão, olhou dentro de si mesma e, como que por um milagre, pôde ver todo firmamento novamente.

Era lindo! Tudo simetricamente em seu lugar. Estrelas, planetas, lua, constelações e pensamentos.

Clara descobriu que o infinito que ela tanto amava estava ali, dentro dela mesma. Ela era o infinito.

Todos os planetas e constelações eram formados pelos mesmos elementos que formaram Clara; afinal, vieram todos da mesma explosão.

E, contrariando a todas expectativas, a vida da menina que olhava estrelas não mudou...

Todos os dias Clara repete o mesmo ritual: escova os dentes após o jantar, despede-se de todos e fica admirando o céu. Só que agora é diferente...

Ela não precisa mais abrir a janela.

                                                                                                Rafael Freitas


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A SOGRA

AH, LEVA, É O XALE, É O TRUCO, É A LUMA, É ELA, RAPOSA, É O TRECO DE TROCO, É O LAGO DE SODA, É A DROGA DO PITO, É A TABA NO RITO, É A CAMA DO BRUTO, É O RUDE ÓDIO DO ROMANO, É O OVO DO LOBO, É O GAMO DA LOBA, É A CAPA DO DEMO, É A CARTA MÁ, É O COTO DO MURO, É A LAMA DA TOCA, É A CASA DA TOLA, É A TALA, É A TARADA DA RATA, É A LATA, É A LOTADA SACA, É A COTA DA MALA, É O RUMO DO TOCO, É A MATRACA, É O MEDO DA PACA, É A BOLA DO MAGO, É O BOLO DO VÔO, É O NAMORO DOIDO E DURO, É O TURBO DA MACA, É O TIRO NA BATA, É O TIPO DA GORDA, É A DOSE DO GALO, É O CORTE DO CERTO, É A SOPA RALÉ, É A MULA, É O CURTO, É ELA, XÔ, É A VELHA.

                                                     Smiley Castelo Branco


É o maior ou não é?

Já leu ao contrário? (rs) 

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O POETA ARA ATÉ O PÓ!

SOCORRAM-ME SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS!!!

Esse palíndromo é um dos mais conhecidos da língua portuguesa e todos nós sabemos o quanto é difícil escrever um.

Amanhã postarei um texto de um poeta que escreveu o maior palíndromo da língua portuguesa, Smiley Castelo Branco, que além de excelente cirurgião, também escreve como ninguém.

Aguardem.

Obs: O título é um palíndromo meu.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O mendigo que queria ser rei

Certo dia, andando pela praça, pude ver ao longe um senhor.

Cabelos grisalhos, roupa velha e rasgada, parecia até embriagado, e gritava a todos pulmões:

- Eu ainda vou ser rei! Vocês verão! Eu ainda vou ser rei!

Todos que passavam por ali desviavam o olhar, mudavam de lado na calçada, como se nada acontecesse, como se aquele pobre coitado oferecesse algum perigo.

Vi de onde estava um jovem se aproximar, talvez para caçoar do pobre, ou quem sabe, oferecer alguma ajuda. Mas, quanto mais o rapaz se aproximava, mais o velho gritava:

- Eu ainda serei rei! Vocês duvidam? Eu não sou louco! Vou ser rei!

O jovem, meio desconfiado com a situação, parou a uma certa distância do pobre louco, e como que num tom solidário perguntou:

- Mas o senhor não acha que está um pouco mal vestido pra ser um rei? E se talvez melhorássemos sua roupa?

O velho olhou profundamente o rapaz e silenciou.

Um silêncio que parecia concordar com a roupa maltrapilha, mas que deixava claro que era uma concordância sem aceitação.

- E então, o que o senhor acha?

- Eu acho que você está com gozação, não existem pessoas boas nesse mundo. Você quer que eu aceite sua ajuda e quando me levar nessa sua conversa dá aquela gargalhada na minha cara.

- Não senhor. Parece estranho, mas acredito em você. Eu apenas sugeri que essa sua vestimenta não pode ser de um rei, não acha?

O velho, mesmo desconfiado, concordou com a cabeça.

- Então, não posso te ajudar?

- Não. Cada rei se identifica com seu povo pela vestimenta.

- Então qual é seu povo, se todos que passam por aqui estão bem vestidos?

- Meu povo está escondido, com medo de vocês que passam por cima de todos em busca de dinheiro.

- Escondido onde? Atrás das árvores da praça? - indagou curioso o jovem.

- Escondido em minha memória, em minha imaginação. Ou será que porque sou mendigo não posso ter sonhos... Um dia meu povo voltará, e finalmente poderei ser rei.

- Então acho que não posso mais ajudar o senhor. Um rei se identifica com seu povo devido sua vestimenta, sendo assim, não pode trocá-la, e essa era minha intenção. Seja feliz companheiro, agora preciso realmente ir. Adeus.

O velho pensou...

- Não. Sinto muito, mas você não pode ir meu jovem. Tenho um brilhante futuro pra você em meu reino. Um grande rei necessita de um fiel escudeiro que lhe dê ouvidos, e ninguém aqui foi digno de parar e me ouvir.
Esse foi um dos primeiros contos que escrevi.

Grande abraço,

Rafael Freitas


sábado, 25 de setembro de 2010

Tempo

Não sou nenhum grande poeta mas às vezes me arrisco.
Segue uma poesia um pouco antiga. Em breve postarei um novo conto que acredito transparecer um pouco mais de amadurecimento da minha parte frente à literatura.

Grande abraço.


Tempo

Ampulheta serve para dividir o tempo em dois
O passado O presente
O que foi O que está sendo
E a gente fica Vendo o tempo passar
E o tempo vai Passando sem enroscar
No meio De nossa vida
E no meio Da ampulheta
Escorre Escorre
Escoa Escoa
E cai...
Cai
A bolsa
de valores
Junto a nossos valores
Vão chegando rugas,
dentadura, calvície ou cabelos brancos
Vão se passando os anos, os meses, os dias, as horas,
quinquênios, biênios e milênios e a gente esperando
Esperando...ganhar dinheiro, trocar de carro, ser o primeiro, ganhar no jogo,
Um bom emprego, um carro novo, ter mais sossego, tudo de novo...
E espera tanto, tanto...que acaba se esquecendo de ser feliz.

Rafael Freitas

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

De fato

Sua cama parecia uma película fina, que a qualquer momento estouraria lavando o chão com qualquer coisa parecida com fluidos. Não se movia. Qualquer movimento seria fatal.

Ficou assim por horas, até ouvir passos no corredor.

A porta se abre:

- Acorde! Vamos! Levante e vá embora!

Silêncio.

A voz continua:

- Sei que não dorme e nem dormiu a noite toda. Levante-se e vá embora!

Sem voltar o rosto:

- Embora pra onde? Por quê?

- Os motivos você conhece bem.

Sem entender o que se passava, pensa, respira fundo e pergunta novamente:

- Por quê? O que aconteceu? O que lhe disseram?

- Você sabe muito bem.

- Sei o quê?

- O que aconteceu. Sempre lhe avisei para tomar cuidado com as pessoas.

- Mas o que disseram?

- O que eu mais temia ouvir. Não esperava isso de você.

- Se não esperava foi porque não fiz.

- Tenho provas.

- Quais?

- Fotos, depoimentos e endereços. Não há como negar.

- Nem sei o que há, o que vou negar?

- Você não é homem. Por que não fala a verdade?

- Não existem verdades.

- Lá vem você de novo com filosofia. Chega de ser infantil. Quem tem ofício e responsabilidade não tem tempo de filosofar.

- Nem de existir.

- Falou o existencialista!!!

O silêncio voltou. Dessa vez mais pesado e denso. A tensão aumentou. Novamente a voz:

- Vamos! Chega de conversa. Vá embora daqui!

O sujeito levantou-se devagar. Não queria que a película se rompesse.

Pegou uma mochila desbotada embaixo da cama e começou a muni-la de roupas.

- Você não tem nada pra levar. Tudo aqui é meu! – e num grito enraivecido – Vá embora! Desgraçado! Destruidor de famílias!

- Não quero mais discussão. Vou.

- Vai pra onde, seu idiota?

- Pra casa de amigos. E, afinal, isso não lhe interessa mais.

- Amigos? Ainda acha que tem amigos?

- Sempre os tive, você sabe.

- Seus conhecidos foram seus delatores.

- Você quer que eu os odeie. Sempre quis.

Joga as fotos na cama. Realmente foram eles.

- Não me é um choque. Sempre tive o pé atrás com esses porcos.

- Então, pra onde vai agora? Ninguém lhe dá a mínima. – com desprezo – Idiota...

- Vou pra casa de desconhecidos. Alguém terá piedade.

Silêncio ensurdecedor.

A voz começa a gargalhar como em filmes de terror. Pára. Olha pro sujeito e diz entre dentes:

- Pode ficar.

- Você é um louco.

- Pode ficar. Volte a dormir.

- Por que isso?

Pausa.

- Nunca o conheci de fato.

                                                                                                 Rafael Freitas

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Encontrou Jesus é o caralho!


Evangélicos aterrorizam
Não eximo a Igreja Católica
Pelo contrário
Mãe de toda desgraça
Todavia
Contudo
Entretanto
Evangélicos
Fiéis
Silgas Malfalares da vida
Esses
Com tetos de vidros
Templos desabantes
É!
A casa caiu
Ruiu
O telhado
Ploft
Em outros tempos
Chutavam Santas
Brããbouos e whatevers
Em seus iates
Helicópteros
Jatinhos cheios de putas
Vivem rindo fiéis
Depositantes de dízimos
Rasgando dinheiro
O próprio dinheiro
Favelados pagam não tendo
Para serem perdoados
Perdoados do quê
Se ganha muito dinheiro em nome da fé
Jesus me ama
Jesus me ama é o caralho!
Não venham com papo de Jesus
Não preciso de intermediários, interpretando em causa própria.
Tiro na testa dos Silgas Malfalares
Pastores
Pastores de cu é rola
Coitado de Jesus, o verdadeiro!
Livre arbítrio
Eu acredito em livre arbítrio
O Jesus usado pelas Igrejas para fins contrários a tudo que o próprio pregou
Esse Jesus eu quero que se foda
...Eee...
Os sociopatas
Usam Jesus para dissimular sua essência
Pagam dízimos
Pronto
Agora são melhores do que eu
Escondendo-se no falso sublimar
É mole
Eu mato
Estupro
Roubo
Pago o dízimo

Silgas Malfalares diz eu ter encontrado Jesus
É
Seus problemas acabaram
Mate hoje
Encontre Jesus amanhã!
Tudo certo
Tá de sacanagem!
Canalhas a um piscar de cu pra sucumbirem
Convencer-me...
Nunca!
Preferia mil vezes quando a professora da academia assumia-se vadia
Tinha dois namorados
Chupava meu pau
Ela era feliz
Agora encontrou Jesus
Vive lendo a bíblia
Pregando
Cabisbaixa
Isso resolve tudo
Hahaha...
E o meu vizinho
Tinha um esquema de roubo de carros
Todo mundo sabia
Falava com geral
Vivia rindo
Sempre com lindas mulheres
Também encontrou Jesus
Vive na Praça General Osório
Pregando
Sozinho
Tenho medo desses sociopatas regenerados
Eram mais honestos antes de encontrar Jesus
Não se negavam
Por isso digo e repito
Encontrou Jesus é o caralho!

                                                                                                     Pablo Treuffar

domingo, 15 de agosto de 2010

A última ceia


Já não suportava mais aquela dor.

O abdome lhe doía com tanta intensidade que o estava levando à loucura.

Não se lembrava mais quando fora a última refeição. Perdera a noção de tempo e espaço.

A fome era excruciante. Ouvia suas entranhas suplicarem por pão.

Ali no chão, encolhido junto à parede, contorcia-se.

A lucidez há muito o abandonara.

Imagens desconexas surgiam em sua mente como slides projetados. Não entendia.

A mente gritava: Fome!

O corpo implorava: Morte!

Em seu delírio, arrastou-se até o caixote. A mão trêmula apanhou a única faca.

Com muito esforço, despiu-se.

Enterrou a faca na magra coxa. Cortou-lhe um pedaço, levando-o à boca.

A fome era tamanha, sequer mastigou.

Prosseguiu a automutilação.

Mais um pedaço. Desta vez saboreou.

Nunca experimentara nada parecido.

Apreciou a iguaria.

Entregou-se àquela refeição.

A última de sua vida.

                                                                                                            Renato Duran

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A morte de um pensamento

Estou neste lugar há três dias. Não como, não durmo e não bebo nada há três dias.

Você consegue imaginar o peso desses três dias? (pausa)

Minhas costas doem muito...meu nariz não pára de escorrer...e tudo isso há três dias. (olha no relógio) Mais precisamente 39 horas e alguns minutos.

( Dá uma longa tragada no cigarro)

Três dias....(pausa longa)

Pelo menos deu tempo de pensar na besteira da minha vida.... (pausa)

Fachada! Pura fachada....

Amigos...festas, mulheres, bebida....ah....

Filhos da puta...barulho, vadias e vômito...isso sim. (começa a se exaltar)

Era só prejuízo!!! (muda de repente)

E pra um pobre metido a bacana qualquer notinha já faz uma enorme falta...

Mas não, que isso...não esquenta não...depois a gente acerta...

E acertava??? Acertava nada!E o idiota aqui bancando...um monte de marmanjo, puta e vagabundo.

E pensa que depois, na hora que eu estava liso, aparecia algum desgraçado pra me ceder um cigarro? (risos)

(Acende um cigarro)

(Pausa)

Pelo menos não me deixaram sem cigarro neste fim de mundo.

(longa tragada)

Fui dormir na sexta, acho que era sexta, e acordei aqui...em cima desta mesa, numa ressaca enorme, sem nada pra comer e nenhuma cervejinha...numa vontade de fumar. Ainda bem que achei 5 maços de cigarro jogados pelo chão...e até fósforos deixaram...

(pensa e olha para os enforcados)

Deve ter sido o último pedido desses daí: “-O chefia, me dá um cigarrinho antes da caixa prego!”

(risos irônicos, seguido de choro convulsivo)

E no fim é isso....um cigarrinho e vela....se acenderem uma vela por você... (pausa, senta na mesa, chora com a cabeça entre as mãos)

(Se recompõe)

O pior de nossa vida é quando a gente sabe que está morto.

Não digo morto, enterrado, igual a esses aí não...O pior é quando a gente se torna um pensamento morto.

Nada mais faz diferença, nem amor de mãe, nem de família, nada...nada mesmo!

Minha mãe...uma maníaco depressiva...vive enchendo o saco em nome da vida dos outros...e família então....um bando de urubus sedentos por carniça, loucos pra te ver na merda, pedindo esmola, e de preferência pedindo esmola pra eles...(pausa)

Lembro da Clarinha...(com emoção) Branquinha, cabelos negros, cinturinha fina...ah...

Mas, de que adianta esse amor platônico, se já me sinto morto. (silêncio)

Estou cinza, sem cor de vida, e que vida que eu levei não é mesmo?

Agora, eu fico olhando pra esses três aí...

Três corpos apodrecendo que nem conseguem me causar piedade!

O que será que leva uma pessoa ao suicídio? (longa tragada no cigarro)

Minha vida sempre foi meio vazia, mas em tirar minha própria vida eu nunca pensei! Nunca mesmo!

Se a vida já é uma merda aqui na Terra, imagina o inferno como deve ser... (silêncio)

(Gargalhada)

Olha que besteira que eu estou falando!! Inferno?! Existe maior inferno que acordar cedo, encarar o diabo do chefe, ficar em fila de banco e voltar sozinho pra casa?

Tenho certeza que não.

(Longa pausa)

Mas o que levou esses aí a dar fim nessa droga de vida?

Aposto que eles não tinham cigarro! (risos)

E de tão acostumados que ficamos com a correria da cidade, esse silêncio e essa calmaria bucólica nos deprime.

(Reflexão)

O cara fica a vida inteira correndo de um lado para o outro atrás de dinheiro e promete pra si mesmo que quando se aposentar vai ter sossego. Aí o cidadão se aposenta e morre! (gargalhadas)

Sossegou mesmo! Sossego eterno!

Só não se dá bem quem tem a alma atormentada. Aí não tem sossego. Tipo esses suicidas aí.

Mas,pensando bem,será que existe mesmo uma alma nesse nosso corpo? Se Deus existe e cobra bondade dos seres humanos, por que Ele deixou que inventassem o capitalismo?

Veja bem, como o cara vai bancar o bonzinho, se o tempo todo ele tem que pensar em produzir, em ganhar dinheiro para comer? Não dá pra ajudar o ceguinho atravessar a rua se você está atrasado para pegar o ônibus! Muito menos fazer uma doação para crianças carentes se suas contas estão atrasadas. E o pior é que quem tem tempo e dinheiro pra essas coisas se preocupa mais com a neve de Bariloche do que com o aquecimento global.

Definitivamente alma não deve existir. Nem reencarnação. O ser humano já leva uma vida de cão, aí como se não bastasse, é obrigado a viver de novo porque não pagou todos os pecados em sua breve existência.

(Acende um cigarro e dá uma longa tragada)

Pra falar a verdade, eu nunca fui tão fiel assim, e acho mesmo é que Deus não existe!

Pronto, falei!

Como o mundo pode ser assim tão perverso e desumano se há no céu um Deus justo e bondoso? E não me venham com essa de livre arbítrio, que tudo que acontece na Terra é exclusivamente causado pelo homem, mesmo porque a maioria dos homens não têm direito nenhum de escolha, quanto mais livre arbítrio. Aliás, nem sabem o que quer dizer a expressão.

(Pausa)

Estou me sentindo bem mais aliviado. Afinal, essas confissões a gente não faz toda hora.

Já pensou, chegando no trabalho, olho pro meu chefe e digo: “- Bom dia! Eu não acredito em Deus e muito menos na bondade das pessoas!”

(Dá a última tragada no cigarro e joga a ponta)

(Pausa)

Pensando bem, olhando esses três aí, até acho que eles tem mesmo é coragem. Renunciaram à hipocrisia desta vida.

(Olha fixamente os cadáveres e fica um tempo atônito)

Tem mais duas forcas prontinhas ali.

(Longa pausa)

Uma deve ser pra mim.

(Acende outro cigarro e fuma sem dar uma palavra)

Os outros apenas não fumavam...

(Vai até uma das forcas, sobe no tronco da árvore)

Espero que o próximo aproveite melhor os três maços de cigarro que sobraram.

(A forca faz o seu papel)

                                                                                              Rafael Freitas


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Carta aos críticos

"Queridos críticos literários, 
Não, eu não tenho depressão!
A literatura nem sempre é a realidade.
Ela simplesmente é um quadro da realidade. Uma pintura.
Cada um a interpreta à sua maneira. Cada um a pinta à sua maneira.
Escritores são pintores da realidade.
Críticos são aqueles que não sabem pintar."

                                                                                          Rafael Freitas

sábado, 31 de julho de 2010

Meu aniversário

De grande homem que fui tornei-me um lixo.

De grande lixo que sou tornei-me homem.

Naquele dia tão importante não conseguia pensar em mais nada a não ser numa data indefinida há mais ou menos duas décadas e meia atrás.

Não enxerguei risos e fotos, não ouvi falas e risos. Fiquei inerte. Escultura humana num viaduto à espera de trocados.

Só me recordo da importância do momento.

Nem sei qual data me era mais insólita: se a presente ou a passada, se o agora ou o remoto.

Mastiguei lágrimas em solidão. Felizmente não fui notado.

O dia era mais importante que o ser.

Lembrei-me de minha infância. Feliz ou não já fui criança.

Criança fui feliz ou não.

Nasci.

Sempre ouvi histórias de um período além corpo que não tenho certeza se existiu. Mas me juram que tenho motivos.

Faço força, bebo todas, extrapolo. Não me lembro.

Não me lembro de ter sido realmente feliz e nem sei se isso realmente importa.

Quando não se tem algo não se pode sentir falta.

Sei que conheci pessoas felizes. Mas nunca as vi sozinhas no banheiro.

Senti-me num retrocesso em câmera lenta.

Quando foi que dei os primeiros passos?

Quando disse a primeira palavra? E qual foi?

A primeira letra?

Não me recordo.

Nunca me recordaram.

Pasmem: meus olhos marearam-se.

O exercício simples da memória não me foi possível.

Lembro-me apenas de semanas recentes e de dias torturantes: escola imbecil, pais exaltados, avós ausentes, dias monótonos, brigas inúteis.

Sei que conheci pessoas felizes. Mas nunca as vi defecando.

Usurparam minha infância até que me rebelasse.

Fui embora sem motivos aparentes, mas cheio de motivos no coração.

Bebi muito, fumei. Tentei existir.

Não consegui.

Voltei sem ter pra onde. Fiquei a mercê de outros.

De novo fui embora sem ter pra onde ir. De novo retornei sem ter onde ficar.

Achei melhor reproduzir minha indecência: decidi pela docência.

Sofri deveras, rezei à toa. Salário merda, meu dia: bosta!

Achei melhor conjugar o verbo: união.

Casei-me.

Separei-me.

Recasei.

Agora estou aqui, sem saber o que, pra que, por que da existência deste momento.

Tudo que me era permitido tornou-se impróprio.

O que era casual, corriqueiro.

Exceção, regra.

Inútil, presente.

O dia estranho não foi lembrado.

Não tem importância o que sou, mas somente o que fiz.

Aniversário do meu filho.

                                                                         Rafael Freitas



domingo, 25 de julho de 2010

Um homem de Deus

- Em nome do pai, do filho e do espírito santo...

- Amém!

- Padre, eu vim me confessar.

- E quais são os seus pecados, meu filho?

- Padre, eu sempre fui pobre! Nasci e cresci numa cidadezinha do interior cheia de pessoas limitadas e ignorantes. Ensinaram-me, desde pequeno, que Deus é bom, justo e que nos ajuda. Ensinaram-me também o que é certo e o que é errado. Pois bem, levei toda minha vida baseada nesses ensinamentos. Nunca prejudiquei quem quer que seja. Nunca pratiquei crimes. Nunca humilhei o próximo e sempre trabalhei.

- Muito bem meu filho, foi isso que Deus nos ensinou.

- É padre, mas agora, depois de tantos anos, fico pensando na minha vida e não consigo ver a ajuda divina que me prometeram. Deus não me ajudou até agora! O senhor, que é uma pessoa instruída e estudada, pode me dizer se esse pensamento é pecado?

- Olha meu filho, não digo que seja pecado, mas que você está equivocado! A ajuda de Deus não é para esta vida, mas sim para aquela que vem após a morte. Devemos seguir Seus ensinamentos para alcançarmos o Céu e gozarmos de toda a bondade de Deus, eternamente.

- Mas padre, isso não é contraditório? Eu vejo tantas pessoas que não dão a mínima para esses ensinamentos. Umas renegam a existência de Deus. Outras praticam crimes, prejudicam e humilham o próximo, aproveitam-se dos outros e todas vivem muito bem. Moram em casas luxuosas, tem bons carros, esbanjam dinheiro e não passam necessidades.

- Essas pessoas, meu filho, terão que se acertar com Deus no dia do Juízo Final.

- Padre, eu sei que o senhor sabe das coisas. Também que é um homem de Deus aqui. Não daria pro senhor conversar com Ele para me ajudar um pouquinho agora, nessa vida? Olha padre! Eu tenho mulher e cinco filhos. Não tenho casa pra morar. Estou desempregado e meus filhos choram de fome. Não daria pro senhor ver com Ele, assim, um tipo de adiantamento!

- Meu filho, isso não existe! Deus dá aquilo que cada um merece.

- Padre, eu sei que o senhor sabe das coisas, que é instruído e estudado. Então me diga: o que eu fiz de errado pra não receber uma ajudinha de Deus? Será que ele não gosta de mim? Padre, não foi Deus quem fez tudo que existe?

- Sim meu filho, todas as coisas!

- Então Ele fez todas as coisas e as dá para quem Ele acha que merece, não é isso?

- Pode-se dizer que sim, meu filho!

- Padre, o senhor não acha que há um equívoco por parte de Deus na avaliação do quanto cada um merece?

- Não meu filho, Deus nunca erra!

- Padre, se Deus nunca erra e não me deu nada, então o errado sou eu, o senhor não acha?

- Não entendi, meu filho.

- Ora padre, se Deus nunca erra em sua avaliação quanto ao merecimento de cada um e ele não me deu nada, só pode ser porque o errado sou eu.

- …

- Obrigado padre, o senhor me ajudou muito. Sozinho não conseguiria enxergar que os ensinamentos dados a mim por aquelas pessoas limitadas e ignorantes estavam errados. Ainda bem que vim aqui. Somente o senhor, um homem de Deus, poderia ter me mostrado isso. A partir de agora Deus começará a me ajudar.

                                                                                           Renato Duran

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Egoísmo

"Fui criado para ser um egoísta. 
Aprendi que ninguém presta o quanto eu, que ninguém serve pra nada...
Só eu!!! E aqueles que estão próximos a mim...
Aprendi a julgar, a estereotipar, a discriminar.
Acabei descobrindo que eu também não presto e que não sirvo pra nada.
Sou um estereótipo, réu confesso.
Na escola familiar do egoísmo, ainda não consegui superar meus mestres."

Rafael Freitas

sábado, 17 de julho de 2010

São falíveis


Não sou nada...

Você me cobra, mas nunca ti prometi nada.

Ti ou te, foda-se a forma.

Cansei dela...

Só sei que me fodo...

Fodo-me como nada se fode nesse mundo...

De que me adianta ouvir que tenho “potencial”

De que me adianta ouvir que sou “muito bom...”

Bom pra quê?

Isso é tudo piada...

Tenho vontade de mandar tudo à merda.

Mas por que não mando?

Vá tudo à Merda!!!!!!!!

Paisinho de bosta esse em que vivemos.

A mídia marrom predomina...

A síndrome de holofote prevalece.

Aqueles a quem são delegadas as funções de Estado

São falíveis.

São vaidosos.

São humanos.

                                                                                          Renato Duran

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sem amarras

- E aí, o que sente agora?

A verdade devia ser escondida. Queria mesmo um suicídio, um abandono, uma fuga. Não queria a mesma vida. Promessas eram de cura por análise.

- Me sinto bem melhor. (Não era o que queria dizer)

- Tinha certeza. Desabafo faz bem em qualquer situação. Dois em cada cem não melhoram. Sabia que seu caso era comum.

- Você sabe mesmo das coisas.

- Sem falsa modéstia, sei mesmo.

- Sim.

- Sim o que?

- Sei lá. Sim.

O silêncio respondeu a pergunta.

- Você mente.

- Minto?

- Acho que sim. Acho não, tenho certeza.

- Que eu minto?

- Sim.

- Por quê?

- Não olhou nos meus olhos.

- Olho agora então.

- Me diga, olhando nos meus olhos, como se sente.

- Bem.

Olhos não dizem nada. Nem palavras.

Nada.

- Agora sim!

- Sim o quê?

- Verdade! Vejo verdade em você!

Nunca mentiu tão bem.

- Tenho alta?

- Ainda hoje.

- Quantas horas?

- Três ou quatro.

- Estou esperando.

Queria ver a família pela última vez. Seria incerto o futuro.

Cinco horas depois estava livre.

Adeus, bolachas e endereço.

Estava só.

Perambulou pelas ruas. A casa estava vazia.

Seria o endereço?

Era.

Sumiram. Pai, mãe, todos.

Chorou. Pensou em voltar.

Era melhor assim.

Finalmente, verdadeiramente só.

Sem choques.

Sem olhares duvidosos.

Sem amarras.

Só.

Liberdade!

Liberdade antes que tardia!

Toda prisão uterina tem como finalidade a libertação da morte.

Toda prisão hospitalar tem como finalidade o controle corporal.

Não tinha controle.

Não tinha ninguém.

O mundo todo era seu. As ruas, as esquinas, a cidade.

Sentou-se no meio fio. Rezou.

A única coisa que aprendera durante todo tratamento foi a devoção em Deus.

Deus.

A cura.

Deus.

O ópio.

Deus.

Deus.

Quem era Deus?

O homem ser semelhante a Deus era impossível.

Seria Ele insano como o viam?

Vagou alguns dias em plena liberdade.

Não encontrou família, nem amigos, nem Deus.

Nada.

Resolveu voltar aos choques.

Ensandeceu.

Enlouqueceu.

Voltou pra casa.

                                                                                      Rafael Freitas


terça-feira, 6 de julho de 2010

Paixão


Atordoado

Procuro-te ao meu lado

Assustado

Tua ausência eu constato.


A mim, não me resta outra saída

A não ser em meus pensamentos manter-te viva

Resgatar-te em minha mente

E amar-te com deleite.


E assim. Na imaginação

Teu corpo materializo

E como que em um fenômeno metafísico

A ele vou-me unindo.


Ao senti-lo junto ao meu

Um turbilhão invade minh’alma

E com veemência entrego-me a ti

Em uma mistura de excitação e calma.


E no ápice dessa união

Desfazes-te por entre minhas mãos

E ainda entorpecido

Recolho-me à solidão.

                                                                                            Renato Duran


Não consegui achar melhor imagem pro texto do Renato: "O grito" de Edvard Munch.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Democracia Representativa

"Estou cansado dessa tal "Democracia Representativa".
Um bando de pessoas se juntam e dizem representar milhares ou milhões.
Em Brasília tem um monte de bandido dizendo que me representa.
A Seleção Brasileira, que certamente não era o que a maioria da população queria, representou pessimamente meu amor pelo futebol.
O presidente do sindicato, o padre, o pastor... sempre tem alguém me representando.
Chega!
Eu me represento!!!
Meus pensamentos representam aquilo que me ensinaram durante toda minha vida.
Até meus pensamentos me representam.
Por isso não acredito neles.
Sou mais eu."
                                                                            Rafael Freitas

Amanhã tem mais uma poesia.

Abraço.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A DOENÇA É DESCULPA DO CARÁTER

Abro a porta

Entro

Sentada no sofá

Minha irmã

Dou um tiro

Na testa

Ela cai

Morta

Um bem pra humanidade

Menos uma sanguessuga

Ando pelo corredor

Surge

Minha mãe

Apavorada

Outro tiro

Na testa

Ela cai

Morta

Menos uma injusta no mundo

Vou pra cozinha

Abro a geladeira

Pego o leite

Bebo

Dessa vez minha mãe não vai reclamar

Ótimo

Agora o leite é de quem quiser beber

Assim tem de ser

Comida para quem tem fome

Não só pra filhinha mimada

É

A filhinha mimada não vai poder bebê-lo

Eu

Não sei

Não sou doente

Posso ser tudo

Só não me chamem de doente

Sempre ouvi minha mãe ser doente

As pessoas diziam

“Sua mãe é doente, não é boa da cabeça.”

Cansei de ouvir isso

Pra mim...

... Ela era mau caráter!

Não é mais

Absolvi

Agora...

... Sou um justiceiro

A doença é a desculpa do caráter



                                                                                  Pablo Treuffar


terça-feira, 29 de junho de 2010

Gene



"Até hoje, desde os tempos do colegial, tento entender as leis de Mendel.
Não entendo nada de recessivo e dominante, nem de porra nenhuma!
Meu pai tem dois filhos.
Um ele diz louco e o outro inojante.
Será que ele tem parte nisso?
Me explica Mendel!!!"
Rafael Freitas


Amanhã postarei outro conto do Treuffar.

Abraço.

sábado, 26 de junho de 2010

Passeio

Ali deitada

Como que dormindo estivesses.



Os olhos estalados e cegos.



Sob os longos cabelos

Um riacho vermelho

O passeio percorre.



Outrora,

Por sobre o passeio, passeavas.

Nunca o tocaras.

Nunca o notaras.



A ti, ele conhecia!

Sofria as agulhas sob teus pés.



Agora,

Pura ironia.

O leito onde dormes

Por onde escorre tua vida.


 Renato Duran

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Viva!!!

"Vivemos esta vida como se não fôssemos morrer e como se nossa presença neste mundo fosse realmente fundamental.

Nossas ações são medíocres e nossa vida uma eterna rotina.

É melhor não nos perguntarmos o por quê de tudo isso.

É melhor continuarmos sem perguntas e sem respostas.

As respostas podem nos arrepender das perguntas que fizemos."

                                                                                        Rafael Freitas


Amanhã postarei mais uma poesia de um amigo.

Abraço.

terça-feira, 22 de junho de 2010

A vida é curta

Como a vida é curta. De fato muito curta. Isso nos dá a possibilidade de sermos imbecis.

Pra quê tanta busca se amanhã já acabou?

Pra quê?

E o fim é tão repentino quanto o começo.

O fim da escravidão é o começo da liberdade.

O fim da inocência é o começo da maldade.

O fim e o começo. O começo é o fim.

O mundo nos grita o que não queremos ouvir e nós gritamos o que ninguém pode escutar. Gritos.

Silêncio.

Silenciamos quando é nossa fala e também quando é nosso silêncio. Simplesmente silenciamos.

Mas esse não é o momento.

Não quero ser mais um idiota de cabelos longos e nada pra dizer. Meu tênis não é da moda, minha camiseta não é de grife.

Fico perto dos banheiros em noite de festa e vou embora sozinho em festas de cio. Chuto pedras e fumo um cigarro.

Cigarro proibido em locais fechados.

Por que não proíbem a ignorância?

Fechariam o estabelecimento.

Temos de garantir o voto dos analfabetos e de toda gente saudável.

Saúde em primeiro lugar. Depois vem a vida, os dias, as horas e os anos.

Anos. Ânus.

Cuidado com seu cu.


Rafael Freitas



Perdoem o palavrão.

Abraço.

domingo, 20 de junho de 2010

O BARANGUERREIRO IDEOLÓGICO

guerra justa?
Odeio esses caras que só comem mulher bonita

Ficam escolhendo

Pensando

A bunda dessa é caída

Essa é gorda

Aquela é magra

Essa tem narigão

Aquela tem cabelo ruim

Essa não tem peito

Aquela não tem bunda

Todas têm defeito

Quase todas são barangas

Esse negócio de avaliar muito é coisa de mulherzinha

Homem que é homem fode mulher feia

Seleção natural porra nenhuma

Eu quero é cuspir porra

Esporrar

Todo dia

Quem pondera demais não mete em ninguém

Quem avalia muito acaba virando viado

Eu sou macho

Só como mulher feia

No mínimo uma por dia

Sem dente

Gorda

Pixaim

Adoro

Gosto muito duma nega gorda desdentada

Naomi Campbell

Beyoncé

Monica Bellucci

Bárbara Mori

Angelina Jolie

Não quero

De jeito nenhum

Mulher bonita não sabe foder

Dona bela é pra baitola

Ontem matei o décimo segundo babaca selecionador dos muitos que vou matar

Esqueci de falar

Tive um sonho noites atrás

Deus falava comigo:

- Nada de seleção cultural.

- As bonitas têm de sofrer.

Ele disse:

- Quando acordar vai ser pouco ter relações sexuais com uma mulher feia por dia até o fim da sua vida.

- De agora em diante você vai matar um mauriceba escolhedor por dia.

Obedeci

Agora estou indo pro analista

Procuro meu eu interior

Na mala do meu carro tem um corpo

Isso não é bom

Foge ao meu estilo de desova natural

Deixa pra lá

Vou contar como matei um zé cu

O mané tava pegando uma mulata deliciosa

Pensei

Bichaloca

Coloquei minha máscara

Minhas luvas

Saí do meu carro

Andei até os dois

Saquei minha Remington

Disparei

Adoro armas velhas

São como as mulheres feias

Vendidas por um terço do valor

Um patamar baixo

Como eu dizia

Dei um tiro perfurante no estômago do playboy

Gosto de atirar no estômago e ficar vendo o sujeito morrendo

Sofrendo

Tiro no estômago mata por embolia

Dá tempo deu explicar por que ele tá morrendo

Gosto que o fulano entenda que tá fenecendo por fazer pouco de mulher feia

Eu sou o equitativo

Eu faço a minha parte nas excluídas da beleza cultural

Sou o enviado de Deus em prol da salvação das mocreias sem picas

Em viado pegador de gata eu meto bala

Sem dó

Nem piedade

Lisura de procedimento

Rectidão

Esse é o meu destino na terra

Depois que vi o otário morrer

Reparei sua mulher olhando apavorada

Ela me disse chorando:

- Eu faço qualquer coisa, não me mate.

Tive uma ereção e por isso atirei nela também

Foi a primeira mulher que matei

Não posso fraquejar

Não como mulher bonita em hipótese alguma

Atirei na testa

Não queria explicar nada pra ela

Daqui a pouco, meu analista vai enlouquecer.

Contei pra ele do meu sonho com Deus

Descrevi minha teoria da crueldade humana com o não belo

Das sem pirocas

E agora não basta eu só foder elas

Deus mandou matar os homens que não copulam com mulher feia

O analista não perguntou se já matei alguém

Filho da puta

Ficou ouvindo plácido

Tudo bem

Hoje ele vai saber

Hoje ele vai morrer

A mulher dele é protagonista da novela das oito

Foi eleita uma das dez mulheres mais lindas do Brasil

Estou bolando requintes

Crueldades pra morte dele

Antes tenho que me livrar do corpo da mulher na mala do carro

Sim

A carcaça dela está na mala

O cadáver dos ditos-cujos que mato deixo no lugar onde caem

Nem ligo pras investigações

Não leio a repercussão

Não sou vaidoso

Sou Diplomata

Não sinto culpa

Papo pro meu analista

Sociopata

Ele deveria ter me dito isso

Não disse

O fato é

Imunidades para Diplomatas estrangeiros existem desde a Antiguidade

Esqueci de dizer que sou de El Salvador

O menor país da América continental

Nasci na cidade de Sonsonate

Voltando aos meus privilégios

Os embaixadores romanos eram considerados sagrados

Sua violação constituía motivo para guerra justa

Sei lá o que isso quer dizer

Adoro “guerra justa”

Na Idade Média as relações internacionais davam-se entre Chefes de Estado

Ofender um embaixador significava ofender o Chefe de Estado

Isso justifica as precauções da imunidade

E sendo assim

Foda-se todo o resto

Mato mesmo

Quer saber

Depois eu penso no que fazer com o corpo da mala

Meu carro tem placa azul

Não podem guinchar um carro com placa azul, mesmo que ele esteja fechando uma via.

Essa é minha guerra injusta

Vou direto pro analista

Hoje ele vai entender

Salvem as barangas

Não bata, coma!


Pablo Treuffar

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vem mais por aí...

"As pessoas são borboletas que nunca saem da pupa.
Nunca sairão.
Têm medo de serem devoradas por um predador ávido de fome.
Pelo medo, estas borboletas nunca conhecerão uma primavera."
Rafael Freitas

Como que se preparando pra nascer, esperando o momento certo, aparece em nosso mundo medíocre uma nova leva de escritores fantásticos.Amanhã publicarei um conto de um colega de blog do Rio de "Janeura".
Vamos deixar nossas prisões.
A leitura vale a pena.
Abraço.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sem lar

É difícil não ter um lar.

Hoje eu decidi não tê-lo.

Peguei as poucas coisas que tenho, poucas mesmo, coloquei em uma mochila e deixei pra trás o conforto de uma vida com pai, mãe e cachorro, mesmo porque, no fim das contas, o cachorro sou eu.

Tenho certeza de não estar louco, pelo menos por enquanto, e não quero ser tratado como tal. Sei muito bem o que ouço e o que falo, embora me neguem o que ouço e deturpem o que falo. É tudo uma grande comédia.

E agora estou eu aqui, sem aquela idéia adolescente de que se tudo der errado eu volto pra casa. Tudo agora depende exclusivamente de mim.

É estranho. Mas eu gosto de coisas estranhas.

Tudo isso é só mais um momento sem importância em minha vida, embora minha vida seja inteira de momentos desimportantes.

Eu nunca consegui mudar o mundo, mesmo tendo esperança de vez em quando.

O mundo não quer mudar. O egoísmo humano é habitual, e cada pessoa acredita plenamente em suas verdades. E de que servem minhas verdades filosóficas?

Até meus pensamentos são inúteis. Eu me conformo com isso. Quando se destrói o corpo em busca de alimentação, sobreviver é uma dádiva, existir, uma utopia.

Como discutir relações de poder com um cérebro dominado?

Como frutificar a existência com quem sempre se escondeu do mundo?

Por tudo isso eu prefiro não ter um lar.

É melhor apropriar-se do desconhecido que ser um desconhecido apropriado.

Rafael Freitas

Este texto é um pouco antigo...
Senti saudades dos tempos de mudança.





A ficha técnica da imagem fica por conta do Agenor.

Abraço.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Egoísta

"O egoísmo humano é impressionante. Não consigo escrever mais nada por não querer que outros leiam."
                                                                                                                                              Rafael Freitas
                                                                                                                                  
Amanhã postarei outro conto.

Abraço.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Leteu


Expiras o fétido
Salivas o fel
Discorres veneno
Feres ao léu.


Rastejas no lodo
Serpente Maldita
Pérfido é teu ser
Dissimulada, tua lasciva.


Teus olhos, o Fogo
Teus braços, Armadilha
Teu corpo a Chama
Em que o meu, suplicia.


És o Algoz
D’uma alma consumida
Ardente paixão
Daquelas que desatina.


Ao inferno condenaste-me
Vil ser peçonhento 
Mas antes, o céu mostraste-me
Aumentando o sofrimento.




Renato Duran